sábado, 2 de julho de 2011

Como nos tornamos humanos?

É com essa pergunta que começa a resenha do livro "The animal connection", de Pat Shipman, publicado na revista Archaeology (julho/agosto 2011), vol.64, n.4, p.20-21, com o título "How animals shaped humanity".
Afinal, o que nos fez humanos na história da evolução das espécies?
Foi a postura bípede ou o dom da linguagem... ou teria sido o uso de ferramentas ou nossos cérebros maiores? A bióloga da Penn State University advoga em seu livro, segundo o artigo citado, que nossa história única é reflexo de nossa conexão com outras espécies animais. Sua tese é de que nossa relação com os animais - seja nos alimentando deles, trabalhando com eles ou cuidando deles - motivou as mudanças evolucionárias e culturais que nos fez humanos que somos hoje. Vale a pena a leitura dessa resenha de Kat McGowan e talvez do livro, mas essa tese tem para mim uma visão muito utilitarista.
Nesse post quero registrar meu ponto de vista.
Não desconsidero esses passos antropológicos, sociológicos, biológicos ou ecológicos, tenho uma visão evolucionista. Reconheço que a postura bípede nos permitiu usar as mãos para outras atividades e uma visada mais ampla ao horizonte, inclusive fugir de nossos predadores; a comunicação desenvolveu nossas relações intraespecíficas, atuando fortemente como fator gregário e da organização de nossos papéis sociais; o uso e o desenvolvimento de ferramentas apressou nossos progressos tecnológicos; maiores capacidade craniana e massa encefálica facilitaram nosso aprendizado, conexões sinápticas e memória; nossa relação com outras espécies, seja na caça ou na domesticação de animais, bem como no cultivo de espécies vegetais, garantiu-nos possibilidades de rever o nomadismo e estabelecimento em cidades... mas penso ser mais que isso que nos fez diferentes desses nossos irmãos em evolução.
A Bíblia é um livro interessante, que entendo como obra de grande valor histórico e filosófico, principalmente expresso por seu conteúdo moral, em especial no Sermão do Monte. Ainda que obra de viés dado pela cultura judaico-cristã ocidental, expressa mitos amplamente disseminados em muitas outras culturas.
No seu primeiro capítulo, a Bíblia trata da Gênese e é aqui que vejo grande valor evolucionário. Sem entrar, nesse momento, no mérito da criação do ser humano, quero tecer algum comentário sobre nossa conquista humana.
Na Gênese está descrito que o Criador fez brotar a "Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal" no Jardim do Éden, mas que dela o homem não poderia comer pois neste dia morreria. Bem, Adão e Eva dela comeram, mas não morreram, tiveram filhos e deram origem à humanidade... Faço uma leitura mais pessoal, entendendo o relato como importante mito.
Comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal é conquista da razão, do discernimento, do livre arbítrio. Podendo decidir sobre o caminho a seguir, colocado como Bem e Mal, numa visão maniqueísta, seja de um ponto de vista antagônico ou complementar, o ser humano dá um passo a mais que os outros animais. Sabemos hoje que muitos animais expressam inteligência, ainda que fragmentária, não é este um fator que nos diferencie desses irmãos. Entretanto, no plano mental, a consciência de si mesmo e a percepção de que cada decisão tem consequências, ditas boas ou ruins, foi o passo essencial na escalada evolutiva.
Pesando nosso coração numa balança, Anúbis representa, no mitológico julgamento egípcio, nossa própria consciência. Nossa consciência é nosso próprio e mais severo juiz.
O poder de decidir sobre nossas atitudes, já não tão subjugados aos nossos mais básicos instintos, permite-nos atuar mais ativamente na construção da nossa personalidade e individualidade.
Para mim, nos tornamos humanos conscientemente atuando em nossa ontogênese, como seres sociais e biológicos. Olhar para o passado e refletir sobre nossas experiências pregressas para construir um futuro como o ideamos, ainda que incerto, relacionando passado-presente-futuro, é um atributo humano. Somos humanos principalmente por olharmos para nós mesmos e para aqueles que estão a nossa volta, podendo decidir sobre como agir. No momento em que agimos irrefletidamente, dando vazão às nossas paixões sem o crivo da responsabilidade pelos nossos pensamentos, palavras e atitudes, nos igualamos aos outros animais... 
SER HUMANO é sentir, pensar e agir de forma Ética, para conosco mesmos, para com o outrem e para com a Natureza.

sábado, 8 de maio de 2010

Girassol: símbolo e ideal verde

por Rubens Caldeira Monteiro
PV Mariana, MG (23ago2007)

Procurava entender porque o girassol é o símbolo mundial dos “verdes”. Tive bastante dificuldade para ter essa pergunta respondida, mas encontrei esse texto postado anteriormente e o verti para o português para torná-lo mais acessível para nós tantos brasileiros. Contudo, quero aproveitar para acrescentar algumas impressões pessoais sobre o significado que podemos tirar desse símbolo.

Vamos relembrar um pouco das nossas aulas de biologia... Antes de tudo, o girassol não é uma flor, como bem coloca o texto. O girassol é um capítulo, ou seja, uma inflorescência caracterizada por ter de uma a duas mil flores inseridas num receptáculo discóide ou arredondado protegido por brácteas. Brácteas? Sim, brácteas são folhas modificadas que protegem a inflorescência ainda no estado de botão. Então, as “pétalas” que conferem a cor amarelo brilhante ao girassol não são pétalas, mas folhas. Os valores, os princípios e a coerência do Partido Verde são as “pétalas” desse girassol, pois é o que nos atrai à primeira vista e assim, como polinizadores, os filiados, podemos colher o pólen das flores que lhe brotam e levar a tantos outros que já carregam em si o gérmen “verde” esperando a fecundação de tantos ideais. No entanto, pesquisadores já verificaram que os danos às “pétalas” do girassol as tornam menos atrativas aos seus polinizadores. Quando todas essas “pétalas” são removidas do girassol, a visitação das abelhas diminui em 90% . Podemos assim supor que os danos causados a esses valores, pela improbidade administrativa de membros eleitos que assumem cargo público, denúncias tantas, corrupção e descaso arranhariam severamente a imagem que goza hoje o partido. Acho que é por isso mesmo que quando busquei membros do partido para minha filiação, a primeira coisa que me recomendaram é que eu lesse o Estatuto, o Programa, os 12 Valores e a história do Partido Verde brasileiro. Na verdade, já havia lido, e até essa postura crítica foi o que mais me atraiu, mas fiquei muito contente por ver que este não é um partido que busca inchar um auditório em uma convenção para definição dos candidatos que irão disputar as eleições ou para se gabar de extensa lista de filiados junto ao tribunal eleitoral, mas possui critérios sérios na filiação de cada membro.

Continuando nessas observações florais, o girassol é também uma inflorescência do tipo composta, pois apresenta flores diferentes na periferia e no interior do disco. E isso é também uma feliz “coincidência”, pois uma das bandeiras erguidas pelo Partido Verde é a diversidade, o multiculturalismo, a alteridade, isto é, o reconhecimento e valorização dessa diferença que soma. Logo na primeira reunião em que estive presente foi me colocado muito claramente pelo secretário de organização da Comissão Executiva Municipal que ali podemos expressar livremente nossas opiniões e discordar do ponto de vista do outro, mas percebi que isso é possível mesmo porque se trabalha muito harmonicamente com o princípio dos 3 sensos: primeiramente o bom senso pela argumentação racional; depois o consenso, quando uma das partes se mostra mais flexível e aceita outra decisão pela ponderação dos riscos, ameaças, oportunidades e benefícios levantados; e, por fim, o dissenso, que é aceitação do outro pela deliberação da maioria. É toda essa abertura para a democracia participativa que interessa.

Ao mesmo tempo em que pode haver essas divergências filosóficas, é muito clara a unidade existente no partido ,desde as esferas no âmbito municipal até nacional e global dos “verdes”. Sinto-me respeitado e valorizado pelos outros amigos e esses 12 Valores do Partido Verde, que expressam base sólida para a construção de uma Sociedade Sustentável. Aliás, será mera coincidência o fato de uma das melhores e mais famosas obras do pintor holandês Vincent van Gogh ser exatamente Doze girassóis numa jarra? Talvez seja, mas é estranho verificar que especialistas afirmem que essa é fase que Van Gogh “descobre" o sentido da cor e da luz, e é neste período que a sua obra sofre a chamada "explosão da cor", contrastando um sucesso e reconhecimento tão grandes com a vida simples da vida que o autor levava, à margem da sociedade.

Ainda nessas digressões biológicas, o girassol, que tem por nome científico Helianthus annuus L., é uma planta anual arbustiva da família das asteráceas, com um caule que pode atingir até 3 metros de altura e é notável por “olhar” para o Sol, comportamento conhecido por heliotropismo. Heliotropismo é o movimento de plantas ou animais sésseis, ou de alguns dos seus órgãos em direção a ao Sol; é um tipo de fototropismo, resposta de um organismo a uma fonte de luz. O Sol é a fonte de toda a vida na Terra, exceto talvez pelos seres vivos quimiossintetizantes que vivem nas profundezas dos oceanos. Conta um mito grego que certa moça chamada Clytia, apaixonou-se pelo deus-sol Apolo e sem poder alcançá-lo, observava-o cruzar o céu; após nove dias, ela foi transformada em um girassol. É isso então... o nosso olhar para o Sol, fonte criadora de vida, no mesmo número nove da gestação, e a sublime identificação com sua luz, nos faz seres buscadores de seus atributos pela autoconstrução no tempo, nos inspirando e brotando em nós o impulso pela perfeição.

É uma planta originária do sudoeste do México que foi domesticada por volta do ano 1000 a.C. e utilizada por índios americanos associada a outros vegetais como fonte de alimento. A sua domesticação por populações tradicionais ressalta o conhecimento e o valor do saber popular. Francisco Pizarro encontrou diversos objetos incas e imagens moldadas em ouro que fazem referência aos girassóis como seu deus do Sol. Sua origem no “Novo Mundo” e viagem para Europa e Ásia no século XVI, primeiramente como planta ornamental, pode representar enriquecimento da biodiversidade e novas florações para o “Velho Continente”.

A rusticidade da planta e seu caráter de anual mostram o caráter firme e assertivo com que as pessoas abraçam os ideais do Partido Verde, permitindo suportar solo hostil e períodos de secas inclementes. Seu cultivo não requer maquinário ou técnica de manejo especializados, o que demonstra que é um bem comum aberto a quem quiser plantas de suas sementes, como o Partido Verde, democrático por natureza, longe de ser um movimento restrito a oligarquias e elites; apesar de haver aqueles que buscam criar novos cultivares pela manipulação genética e distorção de seus valores para auferir benefícios econômicos pelo monopólio. Contudo, ainda que rústico, o girassol cultivado em solo fértil, sem estresse hídrico, com cuidado pela vida, produz ainda mais frutos. Também o Partido Verde entende que a formação técnica, a especialização associada à experiência, com a adoção de tecnologias produtivas simples e inovadoras, conduz a resultados mais satisfatórios e por isso acredita que quem deve assumir cargos no poder público, mesmo no quadro administrativo, é aquele com perfil técnico condizente com a função que irá exercer.

Sua raiz pivotante e seu rápido crescimento vegetativo promovem considerável reciclagem de nutrientes, buscando matéria sem vida nas entranhas da terra e nos cimos dos céus para elaborar seiva por dinâmico movimento e gerar vida, sendo inclusive indicado para adubação verde, rotação de cultura e podendo ser utilizado para alimentação animal. Suas longas hastes podem ser deixadas no campo para conservação do solo e controle de espécies espontâneas , suas folhas para ensilagem e suas flores podem produzir de 20 a 40 kg de puro mel por hectare plantado, mas o principal benefício que obtemos do girassol são suas sementes.

A grande importância da cultura do girassol hoje no mundo se deve à excelente qualidade do óleo comestível e à produtividade que se lhe extrai das sementes. O óleo de girassol responde por 13% da produção mundial de óleo de origem vegetal e é o que tem maior potencial para uso na produção de biodiesel . O girassol é um fabuloso transformador da energia solar em energia bioquímica acumulada na forma de óleo em suas sementes e o biodiesel parece despontar nesse novo século como uma importante fonte de energia alternativa ao uso de combustíveis fósseis e medida mitigadora do impacto causado pela excessiva liberação de CO2, aumento do aquecimento global e suas conseqüências climáticas extremas... Uma alternativa, é esse o ponto! O Partido Verde é alternativa viável para um processo de construção de um modelo de Sociedade Sustentável. Obviamente para o girassol ser base para uma política de biodiesel é necessário investimento no longo prazo em pesquisa de sementes, tecnologia de plantio e logística de distribuição para ampliar a escala de produção, mas é importante frisar que a solução passa pela diversificação de produção para evitar a dependência de uma única fonte de matéria-prima para o biodiesel e a criação de uma paisagem com grandes latifúndios de girassol e cana em todo meio rural brasileiro. Assim, o PV também tem um longo tempo de maturação, numa sólida história com debates e embates, mas de pequenas e consistentes conquistas.

O texto se refere ao número de Fibonacci, que expressa um padrão natural de “empacotamento ótimo” das sementes; não importando qual o tamanho do capítulo, as sementes são sempre do mesmo tamanho, não criando uma concentração maior no centro e dispersão nas bordas. Mas o que significa esse ótimo? Para o girassol significa a retenção máxima da exposição de cada semente ao sol, chuva e polinizadores. Para mim é o princípio da igualdade verdadeira, que era o que eu procurava. Não uma igualdade ilusória de assumirmos que todos somos iguais, apesar de sermos todos simples e ignorantes na origem dada pelo Supremo Criador do Universo, mas pela igualdade de oportunidades e possibilidades que temos por direito.

Despeço-me deixando um lindo campo de girassóis para que eles nos lembrem de nossas semelhanças e diferenças. É na diferença que eu cresço, pois na igualdade somente me fortaleço. A lição mais bela que já tive e o lema que trago na vida e deito nessas linhas me foi dado por um sábio e velho negro: UNIÃO SEM FUSÃO E DISTINÇÃO SEM SEPARAÇÃO.

Simbolismo do Girassol

Fatos de girassol e como eles se relacionam ao Partido Verde
por Janet Jordan

Texto original disponível em http://www.wagreens.us/pdfs/EverGreenVoice_march2005.pdf

tradução livre por Rubens Caldeira Monteiro
PV Mariana, MG - 17 de agosto de 2007

Os girassóis se tornaram símbolo de um mundo livre de armas nucleares. Depois da Ucrânia desativar sua última ogiva nuclear, ministros da defesa dos EUA, Rússia e Ucrânia encontraram-se no dia 4 de junho de 1996 numa base de míssil ucraniana desativada. Eles celebraram esse desarmamento bélico semeando e plantando girassóis. O ex-secretário de defesa estadunidense William Perry disse: “Girassóis em vez de projéteis na terra asseguram paz para gerações futuras.”

O girassol representa as pessoas humildes dos Estados Unidos – e do mundo. O girassol é uma planta nativa em todo o continente americano. Prospera mesmo sem cultivo, embora tenha sido cultivado como alimento durante mais de 3.000 anos. É uma planta rústica que sobrevive em condições adversas como seca por meio de uma profunda raiz pivotante.

Como as pessoas fortes, comuns do mundo, o girassol sobrevive aos momentos mais difíceis por meio de uma estreita conexão com a fonte de vida. Mas o girassol não é somente rústico, é também virtuoso.

Enquanto todas as flores produzem sementes, o girassol é incomum na quantidade de sementes que produz e no seu valor nutricional. A inflorescência é uma bandeja vasta oferecendo benefícios que podem ser usados por todos os seres vivos.

A composição de sua semente é de aproximadamente 50% de óleo – o óleo é necessário no corpo humano para propósitos reguladores (sistemas nervoso e vascular, por exemplo). Assim, o girassol é um símbolo de saúde para um partido que aspira o governo. Além disso, o tipo de óleo produzido pelos girassóis vai ajudar e não interferir de forma danosa no funcionando do coração humano.

As sementes de girassol provêem proteína para construir músculos e uma quantia pequena de carboidrato. O carboidrato é o combustível necessário para as atividades humanas; como um partido, nós precisamos de suficiente energia para fazer nosso trabalho, mas também tomamos o cuidado de não armazená-la em excesso, na forma de “gordura”. As sementes de girassol também contêm fibras para a “limpeza contínua” do sistema humano – em termos do Partido Verde, evoca uma continua revisão de nossas ações.

E como o girassol se adapta à vida? A característica mais notável do comportamento do girassol é o heliotropismo – a habilidade da inflorescência seguir o movimento do Sol. Nós podemos imaginar isto dizendo: o sol é a fonte de vida para todas as criaturas; eu me centrarei nisto. Os partidos verdes tentam da mesma forma focar no que é essencial.

Organizando-se, a inflorescência projeta mais unidade que na verdade tem. Ela se parece como uma flor e age como uma flor, mas não é uma flor. Por outro lado, é um agregado de uma a duas mil minúsculas flores individuais. Cada uma das sementes é uma germinação e frutificação independente, enquanto as “pétalas” exteriores são brácteas estéreis. As sementes são muito bem organizadas: dois padrões espirais podem ser traçados em cada inflorescência, um que vai para a direita e um outro para a esquerda. As sementes nestas espirais são numeradas em perfeitas seqüências de Fibonacci.

Assim podemos nos perguntar os membros do Partido Verde são semelhantemente ordenados nesses graus e se agem coerentemente como estas sementes. Observando o Partido Verde em ação, nós diríamos que não, nossos filiados não mantêm essa ordem. As “pétalas” exteriores fazem um bom trabalho de representar nossos filiados. Na realidade, isto funciona melhor: cada um se oferece para ser notado, afirmando seu direito a seu próprio espaço e sua própria forma. A diversidade dessas “pétalas” é o que confere ao girassol seu talento.

As sementes no centro, então, seriam um armazém para tudo que nós temos de valor. Felizmente, o Partido Verde tem de fato identificado seus valores, e não só os tem identificado, mas os organizou para mostrar como eles se aplicam às escolhas que defrontamos. Nós entendemos nosso sistema de valores como algo que durará além de nossos egos individuais, algo que pode regenerar nossa unidade de propósito depois da colheita dos indivíduos que passaram.

Assim o girassol traz sentido ao Partido Verde novamente. As “pétalas” exteriores vêem e vão, mas nos anunciam muito claramente o caminho, e um armazém de valores permanece ao longo dos anos, mantendo seu potencial nos momentos mais difíceis, brotando em ação quando é o tempo certo.

Com sua ostensiva exibição de cores vibrantes contrapondo o azul celeste, os girassóis nos inspiram a todos. Eles não pedem para subjugar quem quer que seja, eles apenas nos oferecem o seu próprio valor. Seja como nós! eles dizem. A partir dessa postura vem a paz.

domingo, 28 de março de 2010

Tributação sobre a Exploração Mineral: a CFEM e a falta de transparência na gestão de seus recursos

Pela extensão territorial e pela geodiversidade o Brasil tem sob a superfície enorme riqueza mineral. Com reservas de classes mundial nosso país detém posição destacada no quadro das reservas minerais no mundo. Como maior exportador mundial de minério de ferro e ligas de nióbio, além de petróleo, caulim, bauxita, ouro e rochas ornamentais, a produção mineral movimenta mais de R$ 6 bilhões por ano.
Pela Constituição Federal de 1988, todo recurso do subsolo é da União. O Ministério das Minas e Energia (MME) é o órgão que coordena a política mineral brasileira, tendo o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) como autarquia que promove o planejamento e estimula a exploração e aproveitamento sustentável das riquezas minerais.

Dentre as atribuições do DNPM está a edição de normas e fiscalização da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), previsto na CF 88 (Art 20, IX, §1º) e instituída pela Lei 7990/89. Este tributo é devido aos Estados e Distrito Federal, aos municípios e a órgãos da administração direta da União, como uma contraprestação pela utilização econômica de recursos minerais de seus respectivos territórios.

A distribuição das receitas apuradas com o recolhimento da CFEM se opera com (Dec. Presid. 1/91):
  • 23% para os Estados e Distrito Federal;
  • 65% para os Municípios;
  • 12% para o MME/DNPM (10%) e FNDCT (2%).
A alíquota da CFEM tem sua base de cálculo sobre o faturamento líquido da venda do produto mineral, variando de 0,2 a 3%. O faturamento líquido é obtido pelo total das vendas, excluindo-se as despesas de transportes e seguros, incidentes e destacadas no preço de venda do produto mineral e os tributos incidentes sobre a comercialização, conforme o decreto citado.

A Lei 8.001/90 determina a alíquota da CFEM, de acordo com o minério:
  • 3% para bauxita, minério de manganês, sal-gema e potássio;
  • 2% para minério de ferro, fertilizantes, carvão mineral e demais substâncias minerais;
  • 1% para ouro (exceto para ouro de garimpo, que é isento);
  • 0,2% para pedras preciosas, coradas, lapidáveis, carbonadas e metais nobres.
Para se ter uma ideia, em 2006 o município de Parauapebas recebeu mais de R$ 50 milhões, correspondente a 65% dos mais de R$ 77 milhões recolhidos da produção mineral no município, quase que a totalidade em extração de minério de ferro.

Avaliando os tributos que podem ser excluídos da base de cálculo da CFEM, Luis Wolf Trzcina discute que era cabível a dedução de PIS e Cofins, já que estas incidem sobre o faturamento da pessoa jurídica e não sobre a comercialização do produto. Contudo, a Instrução Normativa 6/2000 do DNPM, determina que PIS, Cofins e IOF (quando incidente sobre a venda do ouro, como ativo financeiro), além do ICMS, devem ser excluídos da base de cálculo da CFEM. Trzcina ainda considera que "no aspecto jurisprudencial, há o entendimento que a CFEM é uma receita patrimonial originária do Estado, já que é devida em contrapartida à exploração de recursos minerais, que constituem patrimônio da União Federal e que depende de autorização ou concessão do Estado. Assim sendo, perante o entendimento jurisprudencial, a CFEM pode ser entendida como um royalty, devido como ressarcimento pela exploração do patrimônio público, não devendo ser entendida como uma receita tributária. Por não ser definida como tributo, não podem ser aplicados à CFEM os princípios que seriam aplicáveis aos tributo."

Existem projetos de lei na Câmara e no Senado que propõem revisão das alíquotas (para até 8%), incidência sobre faturamento bruto, repasse para municípios vizinhos entre outras propostas.

Considerando que os recursos minerais são excassos e finitos e não são renováveis, a CFEM é um tributo tido como uma compensação a unidade territorial de onde é extraído. Daí que seu destino deveria ser prioritariamente para promover a diversificação econômica e o desenvolvimento regional. Mas essa não é realidade na maioria dos casos.

Eu concordo com a professora da Universidade de Brasília (UnB) e economista Maria Amélia Rodrigues Enriquez. Em seu livro "Mineração: Dádiva ou Maldição", fruto de seu doutorado, estudou a utilização da CFEM em 15 municípios de diferentes Estados. Em 8 deles a receita advinda da CFEM representava mais de 20% da receita total do município, o que denota grande dependência local em relação à atividade mineradora. O que chama a atenção é que o tributo é mal utilizado pelos municípios, sendo que um dos principais problemas, segundo a autora, é que a Lei 8.001/90 que regulamenta a CFEM não indica como os recursos devem ser utilizados visando a já referida diversificação socioeconômica e a redução da dependência da atividade extgrativa mineral que por si é exaurível.

Dada essa omissão da legislação alguns municípios optaram por estabelecer um sistema de uso da CFEM próprio. Dois municípios registrados pela professora vincularam a utilização da CFEM a um fundo, com aplicações como: concessão de empréstimos a empreendedores com juros subsidiados, construção de galpões industriais com cessão de direito de uso aos empreendedores, incentivo a instalação de novas empresas, construção de estação de tratamento de esgoto (ETE) entre outros usos.

O que acontece com muitos município que recebem sua cota-parte da CFEM é a incapacidade de dimensionar onde foram aplicados esses recursos. Na maioria dos municípios os recursos da CFEM entram num caixa único e se diluem nas despesas correntes ou são direcionados, total ou parcialmente, para fins previamente definidos. Eu também defendo que o uso da CFEM deve ser encarado como estratégico para o município para evitar a dependência da exploração mineral. Creio que um uso mais consciente seria destinar a maior parte do recurso para propostas aprovadas pelo Orçamento Participativo e o restante para projetos em infraestrutura, logística e transporte, crédito para empreendedores, qualificação profissional e outros projetos que visam o desenvolvimento regional e a diversificação econômica.


Uma revisão das alíquotas para aumentar o percentual da CFEM, por vezes chamado de "royalty do minério", e sua incidência sobre o faturamento bruto ou sobre o preço de venda pode ter positivo impacto no desenvolvimento dos municípios, mas antes ou simultaneamente é necessário exigir das prefeituras e unidades da federação TRANSPARÊNCIA no recolhimento e aplicação desse recurso. Fica difícil pleitear aumento da arrecadação se as prefeituras nem sabem dizer quanto da CFEM é usado e qual seu destino.

Para alguns, como o Deputado Federal Zé Fernando (PV-MG), a criação de uma Agência Nacional de Produção Mineral, assim como a agência de regulação do petróleo (ANP), seria decisiva para a fiscalização das mineradoras e a compensação dos grandes lucros que recebem com a exploração. Esse tema ainda precisa ser melhor debatido para mim, para evitar sobreposição de atribuições com o DNPM ou o próprio MME. Mas saber quanto vem e para onde vai a CFEM é imprescindível.

sábado, 27 de março de 2010

O que se paga com a Exploração e Produção do petróleo?

Antes de alguns comentários que pretendo registrar sobre as questões do Novo Marco Regulatório do Pré-Sal, decidi por relembrar pontos sobre o regime de concessões e os recursos que vem de sua produção.

A Lei 9.478, de 06 de agosto de 1997, aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, declara nula a Lei 2.004 de 1953 e extingue o monopólio da Petrobras. Mantido a exclusividade da União sobre a exploração do petróleo, é criada a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que periodicamente realiza leilões de blocos exploratórios em regime de concessões, dos quais participam a empresas interessadas e para os quais a empresa ou consórcio vencedor tem concedido o direito de exploração do bloco por determinado período de tempo.

A produção de óleo e gás, antes das definições dessas novas regras em trâmite no Congresso Nacional, prevê os seguintes pagamentos, como participação governamental ou outras obrigações:
  1. Bônus de Assinatura;
  2. Royalties;
  3. Participação Especial;
  4. Pagamento pela Ocupação ou Retenção de Área;
  5. Investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento;
  6. Pagamento aos Proprietários de Terra.
O Bônus de Assinatura (Art. 46, Lei nº .478/97) corresponde ao valor ofertado pela empresa vencedora da licitação no leilão de blocos de exploração, com valor mínimo estabelecido por edital e pago no ato da assinatura do contrato de concessão.Para se ter uma ideia, em 2007 foram recolhidos mais de R$ 2,1 bilhões em bônus de assinatura.



Os Royalties (Art. 47, Lei 9.478/97) representam pagamentos mensais de 10% incidentes sobre a receita bruta da produção, devido a partir da data de início dessa produção. Em alguns casos excepcionais a alíquota relativa aos royalties pode ser reduzida para 5%. Desta forma, os royalties do "pré-sal" começarão a ser recolhidos somentes a partir de 2014, segundo o planejamento para início da produção.

Royalty = Alíquota x Valor da Produção

Este Valor de Produção é calculado pelo Volume x Preço de Referência (ver detalhes). O Volume corresponde ao total de petróleo e gás natural produzido em cada campo, incluindo o gás consumido nas operações de campo, com algum volume excluído.O Preço de Referência é o maior preço entre o preço mínimo (PANP º 206/00) e o preço de venda. Em 2006 foram obtidos mais de R$ 7,7 bilhões.


Participação Especial (Art. 50, Lei nº 9.478/97) é um pagamento trimestral com valor que varia de 0 a 40% e incide sobre a receita líquida, devida a partir do trimestre em que ocorre o início da produção, quando o volume de isenção seja atingido e a receita líquida acumulada seja positiva. Em 2006 arrecadou-se quase R$ 9 bilhões em participação especial.

As alíquotas variam de acordo com critérios dados por (Dec. 2.705/98): volume de produção trimestral, anos de produção  e localização do campo (lavra em terra, plataforma continental < 400 metros de profundidade de lâmina d´água e plataforma continental > 400 metros de profundidade). Como exemplo, o campo gigante de Marlim tem participação especial de mais de 30% sobre a receita líquida.

O Pagamento pela Ocupação ou Retenção de Área (Arts. 51 e 52, Lei nº 9.478/97) é aplicável somente para lavra em terra, baseado no valor de produção dos poços e pago anualmente ao proprietário da área (superficiário), dependendo da fase (exploração, desenvolvimento ou produção). A Portaria ANP 143/98 fixou a alíquota básica em 1%, pagável mensalmente, ou em 0,5% para campos marginais e projeto campo-escola. O Investimento em Pesquisa & Desenvolvimento corresponde a 1% da Receita Bruta e é aplicável somente a campos sujeitos ao pagamento da Participação Especial.

A partir desse panorama poderemos tratar mais especificamente do "pré-sal" e o marco regulatório em discussão.