sábado, 2 de julho de 2011

Como nos tornamos humanos?

É com essa pergunta que começa a resenha do livro "The animal connection", de Pat Shipman, publicado na revista Archaeology (julho/agosto 2011), vol.64, n.4, p.20-21, com o título "How animals shaped humanity".
Afinal, o que nos fez humanos na história da evolução das espécies?
Foi a postura bípede ou o dom da linguagem... ou teria sido o uso de ferramentas ou nossos cérebros maiores? A bióloga da Penn State University advoga em seu livro, segundo o artigo citado, que nossa história única é reflexo de nossa conexão com outras espécies animais. Sua tese é de que nossa relação com os animais - seja nos alimentando deles, trabalhando com eles ou cuidando deles - motivou as mudanças evolucionárias e culturais que nos fez humanos que somos hoje. Vale a pena a leitura dessa resenha de Kat McGowan e talvez do livro, mas essa tese tem para mim uma visão muito utilitarista.
Nesse post quero registrar meu ponto de vista.
Não desconsidero esses passos antropológicos, sociológicos, biológicos ou ecológicos, tenho uma visão evolucionista. Reconheço que a postura bípede nos permitiu usar as mãos para outras atividades e uma visada mais ampla ao horizonte, inclusive fugir de nossos predadores; a comunicação desenvolveu nossas relações intraespecíficas, atuando fortemente como fator gregário e da organização de nossos papéis sociais; o uso e o desenvolvimento de ferramentas apressou nossos progressos tecnológicos; maiores capacidade craniana e massa encefálica facilitaram nosso aprendizado, conexões sinápticas e memória; nossa relação com outras espécies, seja na caça ou na domesticação de animais, bem como no cultivo de espécies vegetais, garantiu-nos possibilidades de rever o nomadismo e estabelecimento em cidades... mas penso ser mais que isso que nos fez diferentes desses nossos irmãos em evolução.
A Bíblia é um livro interessante, que entendo como obra de grande valor histórico e filosófico, principalmente expresso por seu conteúdo moral, em especial no Sermão do Monte. Ainda que obra de viés dado pela cultura judaico-cristã ocidental, expressa mitos amplamente disseminados em muitas outras culturas.
No seu primeiro capítulo, a Bíblia trata da Gênese e é aqui que vejo grande valor evolucionário. Sem entrar, nesse momento, no mérito da criação do ser humano, quero tecer algum comentário sobre nossa conquista humana.
Na Gênese está descrito que o Criador fez brotar a "Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal" no Jardim do Éden, mas que dela o homem não poderia comer pois neste dia morreria. Bem, Adão e Eva dela comeram, mas não morreram, tiveram filhos e deram origem à humanidade... Faço uma leitura mais pessoal, entendendo o relato como importante mito.
Comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal é conquista da razão, do discernimento, do livre arbítrio. Podendo decidir sobre o caminho a seguir, colocado como Bem e Mal, numa visão maniqueísta, seja de um ponto de vista antagônico ou complementar, o ser humano dá um passo a mais que os outros animais. Sabemos hoje que muitos animais expressam inteligência, ainda que fragmentária, não é este um fator que nos diferencie desses irmãos. Entretanto, no plano mental, a consciência de si mesmo e a percepção de que cada decisão tem consequências, ditas boas ou ruins, foi o passo essencial na escalada evolutiva.
Pesando nosso coração numa balança, Anúbis representa, no mitológico julgamento egípcio, nossa própria consciência. Nossa consciência é nosso próprio e mais severo juiz.
O poder de decidir sobre nossas atitudes, já não tão subjugados aos nossos mais básicos instintos, permite-nos atuar mais ativamente na construção da nossa personalidade e individualidade.
Para mim, nos tornamos humanos conscientemente atuando em nossa ontogênese, como seres sociais e biológicos. Olhar para o passado e refletir sobre nossas experiências pregressas para construir um futuro como o ideamos, ainda que incerto, relacionando passado-presente-futuro, é um atributo humano. Somos humanos principalmente por olharmos para nós mesmos e para aqueles que estão a nossa volta, podendo decidir sobre como agir. No momento em que agimos irrefletidamente, dando vazão às nossas paixões sem o crivo da responsabilidade pelos nossos pensamentos, palavras e atitudes, nos igualamos aos outros animais... 
SER HUMANO é sentir, pensar e agir de forma Ética, para conosco mesmos, para com o outrem e para com a Natureza.